Como São Paulo tornou o IPTU mais progressivo ao longo de 25 anos – Jornal da USP
A história do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) em São Paulo revela muito mais do que uma simples taxa a ser paga pelos proprietários de imóveis. Nos últimos 25 anos, a cidade experimentou uma transformação significativa nesse imposto, tornando-o mais progressivo. Essa mudança não acontece por acaso; ela é o resultado de um conjunto de ações políticas, sociais e econômicas que visam uma maior equidade tributária. A proposta aqui é explorar essa evolução, os fundamentos que a sustentam e quais lições podem ser aprendidas a partir dela.
O IPTU em um contexto histórico
O IPTU tem raízes profundas na história brasileira. Introduzido durante o século XIX, com a chegada da Coroa portuguesa, esse imposto foi inicialmente concebido como um mecanismo de arrecadação bastante linear. Ao longo do tempo, as estruturas sociais e econômicas do Brasil mudaram, e com elas, as expectativas em relação à tributação. A partir da década de 1990, essa pressão por mudanças se intensificou, especialmente em São Paulo, onde a desigualdade social é um tema corrente.
As reformas que tornaram o IPTU mais progressivo não ocorreram de forma isolada. Elas foram influenciadas por diversos fatores, como a digitalização da administração pública, a necessidade crescente por serviços públicos de qualidade e a pressão por uma justiça fiscal que beneficiasse aqueles que mais precisam. A resistência por parte de grupos com interesses financeiros é uma constante, mas a dinâmica política e social da cidade permitiu que essas reformas fossem implementadas.
As estruturas que possibilitaram a mudança
Para que o IPTU se tornasse mais progressivo, um dos passos essenciais foi o fortalecimento da máquina pública. O investimento nas burocracias municipais, como a Secretaria da Fazenda, demonstrou ser crucial. A digitalização do cadastro imobiliário, por exemplo, não só aprimorou o mapeamento de imóveis e seus valores, mas também permitiu um controle mais eficiente sobre quem deveria pagar e quanto. Isso é um exemplo claro de como a tecnologia pode ser uma aliada na luta por justiça tributária.
A partir da Lei de Responsabilidade Fiscal, que fez com que municípios buscassem maior autonomia em suas finanças, a Prefeitura de São Paulo viu uma oportunidade para modificar e ajustar a arrecadação do IPTU. Esse contexto favoreceu um aumento na arrecadação, essencial para garantir a prestação de serviços públicos diante de uma população em crescimento e cada vez mais exigente.
O papel da política na progressividade do IPTU
Um dos aspectos mais fascinantes da evolução do IPTU em São Paulo é o papel das lideranças políticas. A progressividade do imposto não se deve apenas a um impulso de um único prefeito, mas a uma combinação de esforços de diferentes gestores ao longo do tempo. Partidos políticos, especialmente os de esquerda, têm uma inclinação natural a advogar por políticas que buscam reduzir desigualdades. O PT, por exemplo, tem uma história de mobilizar suas bases e redes para garantir que suas agendas sejam priorizadas.
Fatores como a necessidade de arrecadação e a pressão por serviços públicos de qualidade também desempenharam um papel significativo nessas mudanças. Governantes que se alinharam com suas bases e estavam dispostos a enfrentar interesses estabelecidos facilitaram a implementação de alíquotas mais progressivas, mesmo diante de resistência política.
Alíquotas progressivas e seus impactos
Um marco importante nessa trajetória foi a implementação de alíquotas progressivas em 2001, durante a gestão da prefeita Marta Suplicy. Essa medida buscou assegurar que os proprietários de imóveis mais valiosos pagassem proporcionalmente mais. Embora tenha enfrentado forte resistência do setor imobiliário, essa mudança gerou um efeito duradouro. De acordo com especialistas, uma vez que esses ajustes são feitos, é politicamente desafiador revertê-los.
Esse “efeito catraca” se reflete em um fenômeno conhecido como progressivismo incremental, onde as ações passadas geram um efeito cumulativo ao longo do tempo. Mesmo gestões de direita, como a de Gilberto Kassab, mantiveram e até melhoraram aspectos dessas mudanças. Isso mostra que a luta por uma arrecadação mais justa e equitativa transcende linhas partidárias, pelo menos em alguns contextos.
Como São Paulo se encaixa em um cenário mais amplo
O que aconteceu em São Paulo pode ser um modelo interessante para outras cidades brasileiras, especialmente na luta contra a desigualdade. O desafio de garantir justiça tributária é um problema que muitas cidades enfrentam, mas as lições de São Paulo podem oferecer caminhos e inspirações. Isso não significa que o caminho será fácil, mas com a combinação correta de vontade política, investimento em tecnologias e um eleitorado demandante, mudanças significativas são possíveis.
Desafios futuros e a luta contínua pela justiça fiscal
Apesar dos avanços, muitos desafios ainda permanecem. A resistência de grupos econômicos e a pressão política podem criar barreiras. Além disso, a necessidade de transparência em como os recursos arrecadados são utilizados é vital. O cidadão não só deseja pagar imposto, mas quer ver uma retribuição clara, com serviços públicos efetivos que melhorem sua qualidade de vida.
É crucial que a sociedade civil, os movimentos sociais e instituições acadêmicas continuem a pressionar por uma reforma tributária que beneficie a maioria da população. O papel da educação fiscal também não pode ser subestimado. Cidadãos informados são mais propensos a exigir responsabilidade e justiça de seus governantes.
Perguntas Frequentes
Como a digitalização ajudou na progressividade do IPTU?
A digitalização modernizou o cadastro imobiliário, permitindo um melhor mapeamento e controle, além de facilitar a arrecadação.
Quais foram as principais mudanças nas alíquotas do IPTU em São Paulo?
As alíquotas passaram a ser progressivas, com imóveis de maior valor pagando proporcionalmente mais.
Qual o impacto da Lei de Responsabilidade Fiscal na arrecadação do IPTU?
A Lei incentivou os municípios a buscarem maior autonomia financeira, favorecendo a reformulação do IPTU.
Por que a resistência ao IPTU progressivo é tão forte?
Os interesses do setor imobiliário e dos proprietários de imóveis frequentemente se opõem às propostas de taxas mais altas para os mais ricos.
Como as gestões políticas influenciaram a evolução do IPTU?
Governantes alinhados com partidos de esquerda tiveram maior incentivo para implementar políticas progressivas e enfrentar interesses estabelecidos.
Qual o papel da sociedade civil na luta por justiça fiscal?
A participação ativa da sociedade civil é fundamental para pressionar governantes e garantir responsabilidade na utilização dos recursos arrecadados.
Considerações finais
A trajetória de São Paulo em tornar o IPTU mais progressivo ao longo de 25 anos é um estudo de caso fascinante sobre como a interação entre política, tecnologia e sociedade pode levar a reformas significativas. Embora ainda haja muito a ser feito para alcançar uma equidade total, os passos dados até agora servem como um modelo para outras regiões. O caminho para uma justiça fiscal verdadeira exige um esforço contínuo, e o sucesso de São Paulo pode ser uma inspiração e um guia para essa jornada.


